O PERDÃO DA PORCIÚNCULA
Carta do Bispo Teobaldo de Assis
Aqui se propõe o texto completo do documento traduzido a partir
da recente edição paleográfica feita sob os cuidados de Stefano Brufani a
partir do original, onde ainda se conserva pendente o selo de cera;
documento esse conservado no arquivo público do Estado de Perugia,
Corporações religiosas supressas, São Francisco ao Prado, pergaminho 56
(1310, agosto, 10), descoberto em 1964 por Roberto Abbondanza. Segue o
documento:
“Irmão Teobaldo, por graça de Deus, Bispo de Assis, aos fiéis cristãos que lerem esta carta, saúde no Salvador de todos.
Por causa de alguns faladores que, impelidos pela inveja, ou talvez
pela ignorância, impugnam desaforadamente a indulgência de Santa Maria
dos Anjos, situada perto de Assis, somos obrigados a fazer esta
comunicação a todos os fiéis cristãos. Através da presente carta,
queremos comunicar o modo e a forma desse benefício e como o
bem-aventurado Francisco, enquanto estava vivo, o impetrou ao senhor
papa Honório.
Morando, o bem-aventurado Francisco, junto à Santa Maria dos Anjos da
Porciúncula, o Senhor, durante a noite, lhe revelou que se dirigisse ao
sumo Pontífice, o senhor Honório, que temporariamente se encontrava em
Perugia. A finalidade era impetrar-lhe a indulgência para a mesma igreja
de Santa Maria da Porciúncula, há pouco restaurada por ele mesmo.
Francisco, levantando-se, de manhã, chamou frei Masseo de Marignano,
companheiro seu, com o qual morava, e se apresentou diante do mencionado
senhor Honório, e disse:
– Santo Padre, há pouco acabei de restaurar para o senhor uma igreja
dedicada à Virgem Mãe de Cristo. Suplico à vossa Santidade que a
enriqueçais com uma indulgência, mas, sem a necessidade de nenhuma
oferta em dinheiro.
O Papa respondeu-lhe:
– Não convém fazer uma coisa dessas. Pois, quem pede uma indulgência
precisa que a mereça dando uma mão. Mas, diz-me para quantos anos você a
quer, e quanta indulgência lhe deva conceder.
São Francisco replicou-lhe:
– Santo Padre, sua santidade queira-me dar não anos, mas, almas.
E o senhor Papa respondeu:
– De que modo quer almas?
E o bem-aventurado Francisco declarou:
– Santo Padre, se aprouver à sua santidade, quero que todos quantos
se achegarem a essa igreja, confessados e arrependidos e, como convém,
absolvidos pelo sacerdote, se tornem libertados da pena e da culpa, no
céu e na terra, desde o dia do Batismo até o dia e a hora de sua entrada
na mencionada igreja.
O santo Padre acrescentou:
– Isso que pede, Francisco, é muito. E não é costume da Cúria romana conceder semelhante indulgência.
Então, o bem-aventurado Francisco respondeu:
– Senhor, não estou pedindo isto a partir de mim, mas, a partir daquele que me mandou, o Senhor Jesus Cristo.
Diante desse argumento, o senhor Papa concluiu imediatamente, dizendo por três vezes:
– Agrada-me que tenhas essa indulgência.
Os senhores Cardeais presentes, porém, intervieram:
– Vê, se o senhor der essa indulgência, estará destruindo a
indulgência do além mar, bem como, virá destruída e considerada nula
aquela dos Apóstolos Pedro e Paulo.
O senhor Papa respondeu:
– Agora já a damos e a concedemos; não podemos e nem convém que se
destrua o que foi feito. Mas, a modificaremos, de modo que fique
limitada apenas para um dia.
Então, chamou São Francisco e disse-lhe:
– Portanto, de hoje em diante, concedemos que, qualquer um que for e
entrar na mencionada igreja, bem confessado e contrito, será absolvido
da pena e da culpa; e queremos que isso valha todos os anos por somente
um dia, das primeiras vésperas até o dia seguinte.
O bem-aventurado Francisco, de cabeça inclinada, começou a retirar-se
do palácio. O senhor Papa, então, como o visse saindo, chamou-o
dizendo-lhe:
– Ó, simplesinho, aonde vai? Que documento leva desta indulgência?
Respondeu Francisco:
– A mim basta sua palavra. Se for obra de Deus, Deus mesmo deverá
manifestá-la. Não quero nenhum outro documento desse privilégio senão
este: que a carta seja a bem-aventurada Virgem Maria, o notário Jesus
Cristo e os anjos as testemunhas.
Depois disso, Francisco, deixando Perugia, retornou a Assis. No
caminho repousou um pouco, juntamente com seu companheiro, num lugar
chamado Colle, onde havia um hospital de leprosos, e lá passou a noite.
De manhã, acordado e feita a oração, chamou o companheiro e disse-lhe:
– Frei Masseo, digo-lhe, da parte de Deus, que a indulgência a mim concedida através do sumo pontífice está confirmada pelo céu.
Tudo isso foi contado por frei Marino, sobrinho do mencionado frei
Masseo, que frequentemente o ouviu da boca do tio. Esse frei Marino,
ultimamente, perto do ano de 1307, repleto de dias e de santidade,
repousou no Senhor.
Depois da morte do bem-aventurado Francisco, frei Leão, um dos seus
companheiros, homem de vida integralíssima, passou adiante esse fato,
assim como o havia recebido da boca de São Francisco; e assim, também,
frei Benedito de Arezzo, um dos companheiros de São Francisco, e frei
Rainério de Arezzo contaram, tanto para os frades como para os
seculares, muitas coisas referentes a essa indulgência, como as tinham
ouvido do mencionado frei Masseo. Muitos desses ainda estão vivos e
confirmam todas essas notícias.
Não pretendemos, pois, escrever com que solenidade essa indulgência
foi tornada pública, durante a consagração da mesma igreja efetuada por
sete Bispos. Vamos tão somente referir aquilo que Pedro Zalfani,
presente à cerimônia, falou diante do Ministro frei Ângelo, diante de
frei Bonifácio, frei Guido, frei Bartolo de Perugia, e outros frades do
lugar da Porciúncula. Contou ele que esteve presente à consagração da
mencionada igreja no dia 2 de Agosto, e ouviu o bem-aventurado Francisco
que pregava diante daqueles Bispos segurando na mão um documento, e
dizia:
– Quero mandar-vos todos para o céu. Anuncio-vos a indulgência que
recebi da boca do sumo pontífice: todos vós que hoje vindes e todos
aqueles que virão cada ano, neste dia, com um coração bom e contrito,
obterão a indulgência de todos os seus pecados.
Fizemos essas considerações acerca da indulgência por causa daqueles
que a ignoram. Assim não podem mais usar como desculpa a ignorância. E,
acima de tudo, o fazemos por causa dos invejosos e faladores. Estes, em
alguns lugares, procuram destruir, suprimir e condenar aquilo que, toda a
Itália, a França, a Espanha e outras províncias, tanto de cá como de lá
dos montes, ou melhor, o próprio Deus, em reverência à sua santíssima
Mãe (pois, como se sabe, a indulgência é dela), quase todos os dias, vem
revelando, engrandecendo, glorificando e espalhando com frequentes e
manifestos milagres.
Como ousarão invalidar, com suas funestas persuasões, aquilo que já
há tanto tempo, diante da Cúria romana, permaneceu com toda sua
validade? Pois, também em nosso tempo, o próprio senhor Papa Bonifácio
VIII enviou para essa igrejinha seus magníficos embaixadores para que,
por sua vez, no dia da indulgência, nos pregassem com toda a solenidade.
Às vezes, enviou até Cardeais. Vindos pessoalmente para celebrar a
indulgência e, na esperança de receber o perdão, a aprovaram como
verdadeira e certa com sua própria presença.
Diante do testemunho de todas essas coisas, e na fé mais certa, assinalamos a presente carta com nosso selo.
Dada em Assis, na festa de São Lourenço, no ano do Senhor de 1310”
fonte: http://www.franciscanos.org.br